A tecnologia na educação: Uma ferramenta a serviço de quem?
- teiadesaberessite
- 17 de mai. de 2024
- 5 min de leitura
Pacelli H S Lopes

Para responder a essa problemática recorremos ao Relatório de Monitoramento Global da Educação 2023: Tecnologia na educação: Uma ferramenta a serviço de quem? lançado pela UNESCO. É necessário qualificarmos o debate público sobre a temática, uma vez que, o destaque da opinião pública é a limitação do uso da tecnologia nos espaços escolares por alguns países.
Nossa hipótese é que esse reducionismo da publicação vai de encontro com a incapacidade e/ou falta de vontade de se construir na opinião pública um debate programático da relação da tecnologia com a educação. Dito isso, é necessário definirmos que não se trata de proibir ou liberar o uso da tecnologia nos espaços educacionais, mas de regulamentar seu uso com a finalidade de potencializar o desenvolvimento humano.
A tecnologia na educação é um sistema complexo que exerce vários papéis, dentre eles de insumo, meio de distribuição, gerador de habilidades (digital e tecnológica) e de ferramenta de planejamento. Isso proporciona ao contexto social e cultural uma maior conexão, ampliando o acesso à informação, o que também aumenta o risco à segurança, à igualdade e à privacidade colocando muitas vezes em xeque a coesão social.
O que vemos são poucas evidências sólidas e imparciais do impacto da tecnologia na educação. Isto ocorre em decorrência do fato das evidências serem produzidas, na grande maioria, por quem está tentando vendê-las. Estes atores privados não se preocupam em desenvolver a revisão por pares e outros meios de verificação acadêmica.
Ao mesmo tempo que a tecnologia pode ser uma salvação para milhares de pessoas, ela também leva à exclusão de outras milhares. Ela tornou acessível à aprendizagem para estudantes com deficiência e para as populações de difícil acesso, isso, através do rádio, televisão e celulares, bem como, evitou o colapso total da aprendizagem durante a pandemia da Covid-19. Por outro lado, muitos estudantes não têm a chance de usar as ferramentas digitais nas suas escolas e comunidades, tendo os grupos mais desfavorecidos menos acesso a aparelhos e conexões.
Para maximizar a aprendizagem com tecnologia, devemos valorizar sua capacidade de processar informações e usar dados analíticos. Já é possível obter respostas imediatas, com adaptação do ritmo e da trajetória dos estudantes. Além disso, com a inteligência artificial a velocidade com que esses dados poderão ser transmitidos fará diminuir o custo das operações, possibilitando instantaneamente construirmos uma trajetória otimizada e personalizada de estudo.
Soma-se a isso o fato do conteúdo online ter aumentado sem que houvesse uma regulamentação da qualidade, ficando reféns de grupos dominantes, afetando quem o acessa. Para se ter uma dimensão do problema, durante a pandemia, 39 dos 42 governos que ofereceram educação a distância infringiram o direito das crianças e adolescentes. Desta maneira, compra-se tecnologia para tapar buracos, sem se ponderar seus custos a médio e longo prazo, onerando sistematicamente os cofres públicos.
No estado atual do problema o relatório reflete se a tecnologia será capaz de ajudar a resolver os desafios mais importantes da educação, que são sobre a igualdade, inclusão, qualidade e eficiência. Assim, precisamos refletir: Com o auxílio da tecnologia a educação pode, ou não, se tornar a grande equalizadora de futuros pacíficos? Essa parceria contribuirá ou atrapalhará o alcance das ODS — 2030? Ambas, unidas conseguem auxiliar as novas gerações na aquisição de conhecimento, além de formarem agentes de mudança? É possível balancear o aprendizado personalizado com a socialização e o ensino de direitos e deveres humanos?
Para solucionarmos esses problemas nos próximos anos temos que trabalhar para que a personalização do ensino pare de enfraquecer a dimensão social da educação, sendo necessário valorizar o trabalho coletivo. No campo da igualdade está claro que ocorre um conflito entre inclusão e exclusividade, para muitos pode ser uma salvação, porém para outros o acesso à tecnologia pode ser uma barreira. Na esfera da isonomia há um conflito entre a esfera comercial e os bens comuns, considerando que, muitas das vezes os valores investidos em desenvolvimento tecnológico não correspondem às reais necessidades do setor público. Para chegar a essa conclusão é necessário medirmos a eficiência das ferramentas digitais, atentando-se para os custos ambientais, sociais e econômicos.
As soluções dos problemas citados, perpassam por enfrentarmos o risco da distração e a falta de interação humana causada pelo uso não moderado do celular. Entre as consequências negativas, temos a diminuição de autocontrole e estabilidade, o que contribui para a ansiedade e depressão. As pesquisas apontadas no documento demonstraram que os mais afetados pela distração ocasionada por uso de smartphone são os estudantes do ensino superior, enquanto os menos afetados são os do pré-primário.
Vale destacar que entre a maior parte dos professores, há um senso comum, que o uso de tablets e telefones atrapalhem a gestão de sala de aula. Em uma pesquisa realizada pelo ICILS 2018 (International Computer and Information Literacy Study) um em cada três professores em sete países diferentes consideram que o uso das Tics em sala de aula distrai os estudantes.
As ações das nações têm sido no sentido de regulamentar seu uso e não proibir, na China se limitou a 30% do tempo total do ensino, a Itália e o USA proibiram a utilização de algumas ferramentas ou redes sociais específicas. Cabendo destacar, que no ensino primário e secundário, 43% dos estudantes em nações ricas têm acesso à ciência da computação. Em territórios de economia média-alta, a taxa é de 62%. Em estados de renda média-baixa, é de 5%. Já em regiões de baixo padrão econômico, a taxa da disciplina é de 0%. Como podemos constatar, o acesso às habilidades tecnológicas são um reflexo da desigualdade mundial.
Isto também se evidencia quando o tema em questão é a proteção de dados, durante a pandemia de um total de 163 produtos recomendados para educação, 89% tinham o poder de monitorar as crianças fora da escola. E apenas 14% dos países garantem em lei a privacidade dos alunos na educação, e apenas 27% têm uma política relevante relacionada à confidencialidade, sendo a maior parte deles da Europa e da América do Norte.
É impossível a educação ficar alheia ao desenvolvimento tecnológico, caso ela pretenda iluminar futuros pacíficos. É necessário regulamentar seu uso visando potencializar nossa humanidade compartilhada. Para isso, precisamos desenvolver as habilidades digitais, sendo necessário definirmos de forma republicana, assim como fez a União Europeia, o quadro de competências digitais que privilegiaremos na educação nacional.
Há um longo caminho a percorrer para que a tecnologia na educação esteja a serviço da democracia. É preciso que suas regulamentações potencializem o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ou, caso contrário, ficaremos ainda mais distantes da construção de um Novo Contrato Social da Educação até 2050.
i Texto apresentado no Café filosófico da Faculdade Santa Marcelina de Muriaé em 17 de maio de 2024.
ii Resumo do Relatório de Monitoramento Global da Educação 2023: Tecnologia na educação: Uma ferramenta a serviço de quem? UNESCO. Paris: 2023. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000386147_por >. Acesso em 17 de dezembro de 2023.
iii Quadro europeu de competências digital para cidadãos (DigComp): Áreas: 1.ª Alfabetização em informação e dados; 2.ª Comunicação e colaboração; 3.ªCriação de conteúdo digital; 4.ª Segurança; 5.ªResolução de problemas.
Comments